Omaha Beach e as lembranças do desembarque
Imagine-se em 6 de dezembro de 1944, em Vierville-sur-Mer, na Normandia. Você está à bordo de uma lancha de desembarque. Com um dia de expectativa e atraso por causa do mau tempo, e depois de horas de bombardeio aéreo e naval fustigando a praia, finalmente chega o momento do desembarque. A operação é confusa, e parte das tropas do primeiro assalto pararam em locais distantes, mas Vierville é essencial, pois é uma das poucas saídas do litoral para o interior. O local é conhecido nos planos do desembarque como setor Dog Green, da grande extensão de praia com nome código de Omaha.
Com todo o peso do equipamento, você cai na água e luta para não se afogar, e logo descobre que a maior parte das defesas alemãs resistiram ao pesado bombardeio e não cederão o terreno facilmente. Retido na faixa de areia entre o fogo dos canhões e metralhadoras nas fortificações nas encostas, você se descobre em meio a uma das mais ferozes batalhas da Segunda Grande Guerra. Ao final do terceiro dia, Vierville-sur-Mer será libertada e os aliados terão estabelecido uma sólida posição, ao custo de 5.000 americanos e 1.200 alemães mortos, feridos ou desaparecidos.
A Batalha da Normandia, que teve início no que foi chamado de Dia D – o Dia do Desembarque, durou dois meses e é considerada a maior invasão marítima da história. Os números envolvidos no evento são impressionantes: 3 milhões de soldados, 14 mil barcos, 600 navios e milhares de aviões.
Décadas depois, pisando na mesma praia, é impossível não imaginar a cena. A tranquilidade da praia quase deserta não mascara o ar pesado daquele dia distante, o qual é percebido antes mesmo de você se dar conta dos vestígios da batalha ainda presentes.
Praia de Omaha hoje: dias de paz
Na areia e na água (principalmente na maré baixa) ainda são vistos restos do chamado Port Mulberry, porto provisório que seria construído em menos de duas semanas para dar apoio às operações de libertação. Por ali passaram cerca de 24.000 homens, 3.500 veículos e 15.000 toneladas de suprimentos. Ao longo da estrada que leva à praia é possível ver restos da ponte metálica que foi transportada para terra.
Nas encostas, casamatas de concreto repletas de buracos de bala resistem ao tempo e guardam, silenciosas, as suas histórias.
Antigo bunker alemão
Paredões que foram escalados pelos soldados americanos
Na praia, um memorial cinza como aquele dia conta fragmentos da batalha e honra os que tombaram.
Memorial em Omaha-Beach
Mal conversamos entre nós. Parece inapropriado falar sobre coisas pequenas e triviais de um casal em férias naquele solo que já esteve tingido de vermelho. É como se o vento trouxesse ao fundo os sons dos combates. A garganta fecha e os olhos se umedecem.
Museu Do Dia D Omaha
A algumas quadras da praia há um pequeno museu, um dos vários da região que conta as histórias da Batalha da Normandia.
A fachada modesta do museu
Acreditamos que não seja o melhor nem o mais completo do gênero, mas seu acervo é interessante e inclui diversas relíquias daqueles dias, tais como tanques, lanchas, armas, fardas.
Um dos lanchões utilizados no desembarque
Guarita blindada atingida por balas de canhão
Mas sem dúvida o que mais prende a atenção é a grande quantidade de fotos e objetos pessoais, como carteiras de cigarro, óculos de sol, câmeras fotográficas, garrafas de Coca-Cola e pacotes de Nescafé da época, em contraste com as armas e fardas. Um elemento humano forte para nos lembrar que guerras são feitas por gente como a gente.
Grande acervo de objetos pessoais
Foto de uma foto de Port Mulberry em plena operação
A neurose da guerra retratada num poster vintage
Nas fotos da época, é possível reconhecer várias das construções pelas quais passamos no caminho. Impressiona constatar que Vierville-sur-Mer, um vilarejo de pouco mais de 200 habitantes e distante apenas 243 km de Paris, pouco mudou neste tempo.
Cemitério e Memorial Americano de Normandia
A poucos quilômetros dali, já próximo ao vilarejo de Colleville-sur-Mer, está localizado o cemitério militar americano. É o mesmo cemitério que aparece no filme O Resgate do Soldado Ryan, de Steven Spielberg. O filme é livremente baseado na história real dos irmãos Niland, que estão ali enterrados.
O espaço tem cerca de 70 hectares. As árvores são meticulosamente podadas, o gramado bem cuidado, os passeios agradáveis.
Omaha Beach está logo ali. A vista da praia é espetacular e traz uma paz indescritível ao lugar.
Mirante e vista para Praia de Omaha e o Canal da Mancha
Um grande memorial semicircular presta a devida homenagem aos mortos e desaparecidos. No local podem ser vistos mapas das operações militares e nomes de soldados desaparecidos gravados em muros.
No centro do memorial, ergue-se imponente uma estátua de bronze intitulada “o espírito da juventude americana se erguendo das ondas”.
“The Spirit of American Youth Rising from the Waves”
"O espírito da juventude americana que levanta-se das ondas "
"O espírito da juventude americana que levanta-se das ondas "
À sua frente, reina em paz um espelho d’água, e dali já se avista o cemitério propriamente dito.
Espelho d´água e cemitério em frente ao memorial
Este é o grande momento da visita. A visão do campo com quase 10.000 cruzes em mármore carrara fincadas sobre os impecáveis jardins verdejantes é impactante. Entre elas, distinguimos algumas estrelas judaicas (na foto, à esquerda). Mais um convite à reflexão.
O que leva alguém a ir em lugares com uma história dessas em plenas férias? Certamente o interesse pela história está presente, mas não se trata só disto. Para nós, que vivemos tão longe no tempo e no espaço destes conflitos, é uma oportunidade de entender o verdadeiro custo humano de uma guerra, aprender com os erros e acertos das gerações passadas e reforçar as convicções de que devemos construir um mundo melhor.
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